Dom

Os homens me deram a dor.
Deus me deu a canção.

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Verão

As nuvens se recortam
num céu de sede.
O sol faísca nas calçadas.

Infinitamente

Canto a tristeza
de não ser flor.

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Resíduo

Tenho apenas um punhado de areia
em minhas mãos.
Mas o mar ainda canta em meus ouvidos.

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Agonia

Alimentei o meu pássaro
com a morte.

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Sinfonia

Canto para o pássaro.
Tenho uma árvore no peito.

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Anseio

Liberta-me! - grita
a flor atrás das grades.

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O sangue da rosa

Perdido na noite,
os olhos vazios.

Na mesa, um punhal.

Na lâmina fria
o sangue da rosa.

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Corpo

Um corpo esquecido,
a pedra,
o poema.

O dia agoniza
sem forças para morrer.

Dança

As botas do morto
dançam nas salas
da minha loucura.

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Conchas secas

As palavras se fizeram conchas secas
e adormeceram no poço do silêncio.
O espelho da tarde se partiu.
Uma rosa agoniza junto à cruz.

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Graça

A graça
da garça
que dança
e balança
as penas
tão brancas
e plenas
de sol.

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Memória

No coração da árvore
a memória do rio.

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Vestimenta

Queimei os meus vestidos.
Quero vestir-me apenas de palavras.

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O silêncio de Deus

Capa de O Silêncio de Deus, de J. C. M. Brandão


A MOEDA DO SILÊNCIO

Nas mãos cinzas da névoa
a moeda do silêncio.
Os pássaros petrificados
nas árvores secas.

Os sapatos à beira da estrada
à espera dos pés de ninguém.
Uma fina lâmina de vidro
quebra-se.

Deus de areia, noite escura
de Deus.
Uma lâmpada sem óleo,

a luz negra,
a chave enferrujada
e a pátina no chão do deserto.

JCMBrandão, O Silêncio de Deus, 2009.

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Ausência

No galho seco
o pássaro lamenta
a rosa não nascida.


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Iluminação

Sentada na terra
tenho o coração pequeno.

O grande frio da noite
quer descer sobre mim.

Mas num repente
o céu se ilumina.

Brilha uma estrela,
tudo se transforma.

Suavemente
abre-se a flor

do meu coração.

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Árvore

Teu grito
meu silêncio
frutos da mesma dor.

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Carneirinhos

Dando pinotes ao sol
mamam o leite
e a manhã.

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Ciência

Meus olhos conhecem
o segredo das pedras.

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ESPELHO

No espelho do tempo
a pedra há de florir.

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Beleza

A beleza do pássaro
levou para o céu
os meus olhos.

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Dez anos

Cartaz que fiz para a exposição dos 10 anos do grupo Expressão Poética.

Solidão

Sou um fruto esquecido
numa árvore morta.

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Cristal

MEMÓRIA

No coração da árvore
a memória do rio.


RÉQUIEM

Arranquem meus olhos.
A flor está morta.


RETRATO

Invento o que existe.
Sou poeta.


O PÁSSARO IMPOSSÍVEL

Cortaram-me as asas e a garganta.
Nada esperem de mim.
Sou um pássaro impossível.


CREPÚSCULO

No alto do eucalipto
o pássaro bebe a tarde.


RECATO

Fechem os olhos dos lírios.
Não deixem que me vejam nua.


ORIGEM

Eu não nasci,
vim do mar.


ABSOLUTO

Uma agulha cerzindo o universo.

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Fiz uma pequena antologia de meus poemas mais curtos.

Quietude

No espelho do lago
repousa o silêncio
do sono dos deuses.

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Sem palavras

Desprezo as palavras inúteis.
Quero o poema como um grito no escuro.
Mais nada.

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Buscando a lua

Vagamos pela noite buscando a lua que desmancha no rio a sua luz prateada.
Sorvemos o barulho indescritível dos sapos, rãs, insetos e das aves noturnas.
Andamos pela ponte, livres e felizes. Somos dois bichos estranhos, em perfeita comunhão com a noite e seus mistérios.

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Enigma

O que veem os olhos da coruja
quando me olham
como se me despissem?

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Foto e poema: Sônia Brandão

Galope

Meu coração
é um cavalo louco

sangrando como o sol
atrás das colinas.

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Foto e poema: Sônia Brandão

Prenúncio

Pálido pássaro pousado
na tênue luz da manhã.

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Foto e poema: Sônia Brandão

O cão da morte

Já não há luz
nem som
nem movimento.

Apenas o cão da morte
me faz companhia.

Espera impaciente
o momento de irmos juntos
para lugar nenhum.

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Foto e poema: Sônia Brandão

Imagens do Ceará

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Fotos: Sônia Brandão
Foram essas imagens - ah, esses lugares belíssimos, de uma beleza indescritível - que me encantaram na minha viagem ao Ceará.

Saciedade

Banhei-me de sol e sal,
de chuva,vento e mar
nas praias do Ceará.

Dei de beber aos meus olhos
nas águas do Jaguaribe.

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Foto e poema: Sônia Brandão.

Voo noturno

Agora sabemos o que nenhum anjo sabe.
Agora somos o tempo.
De nossos corpos outras noites nascerão
e juntos voaremos nosso vôo noturno
nas asas do desejo.

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Antes da aurora

Busco a morte
como quem busca o sono.

Morrerei antes da aurora.
Tenho anjos sobre meus ombros.

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Foto e poema: Sônia Brandão

Onde a luz?

A ausência
na areia da memória.

Com que asas
hei de encontrar a luz?

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Foto e poema: Sônia Brandão

Lembrança

De repente,
como um grito,
a noite veio
e
te levou.

Ficaste apenas
no retrato
adormecido
nos meus olhos.

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Poema e foto: Sônia Brandão

Umbral

Quando a noite cai
sobre os umbrais,

somos flores
de silêncio

e solidão.

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Poema e foto: Sônia Brandão

Decisão

Entre morrer e não morrer
Escolhi as palavras.

Voam de minhas mãos
Como pássaros ou punhais.


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Poema e foto: Sônia Brandão